quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Opinião

(...) Retomo a poesia de Jonatas Onofre. Uma poesia lúdica, com claras referências a João Cabral de Melo Neto, com uma pitada de Drummond, mas também com essência "onofreana". O poema "A Chave", é pura metalinguagem: " Poema se desvenda verso / e número: na estrutura / firme, medida ( construção / em estrofes e versos claros) / neste se parecer com casa / cheia de quartos, salas, portas. / Neste precisar claramente / de chave para abrir seus cômodos / (...)". É inevitável ler estes versos e pegar o grande segredo do desvendamento desta casa chamada poesia: a chave. É com ela que abro o mundo das palavras. Segundo Drummond lá "tem mil faces sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave?". Como se isso não fosse o bastante, Jonatas Onofre foi ainda "catar seu feijão" e escreveu " A máquina de Johannes" outro poema pautado na temática do fazer poético: "montou peça por peça máquina / exata, clareza medida / no controle sobre o dizer, / na tranquilidade do fazer (...)". As faces de Jonatas Onofe vão sempre mais além. A temática da morte num contraste interessante no poema "Dialética de uma morte" o qual faz a violência representada por um projétil que sai do cano de um revólver numa "devagar rapidez" que atinge o leitor e que a vida representa o "sim" e o chumbo o "não". Segundo Aristóteles em sua Poética, "nós olhamos, contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas coisas que olhamos com repugnância", é o que acontece nos versos: "ocorre o embate (sim-não): / O sim operário - José - / miolos a mostra já morto / estendido no meio fio". Assim como a personificação no poema " No Coletivo" que na realidade não sabemos até que momento ele fala do ônibus como meio de transporte lotado e onde o ônibus é o próprio eu-poético.
( trecho do texto "Fazer poesia hoje" de Isaac Melo )

A tecla Enter


Essa suspensão,

pulsar do cursor

no final da linha

antes do ponto

cortando meu verso

na tela da máquina;

do teu salto reto

cavalgando o verso

à próxima linha;

é a mesma tensão

do verso de antes,

do antes do verso,

do verso bulindo-me

por dentro, pedindo

as medidas, fôrmas

e o corte lúcido

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Mangue


- É na lama: idéia constante

do mangue, em sua fina lã

de enredar-se que reside

o húmus lúcido-secreto

nada espontâneo (presente)

mas à espera do trabalho

de pescador (labor, cansaço)

a que o poeta é lançado.

E necessário ofício,

sem sono (noite, negridão)

é que consome o pescador-

poeta, Com a precisão

da claridade viva no dia

e no mangue, e na lama negra

ele extrai a lucidez,

a força do seu vivo verso





- Igarassu é para o mangue

a fruta por dentro, completa

e mineral - exterior

recanto - na casca de pedra.

Também é a boca: devora

sua semente; é a fronteira

entre lama, cinza, escuro

e pedra, verde, claridade;

é prosaico no poema,

o discurso em vez do canto,

neste plantar foi a cidade

quem em seu centro germinou

sendo tema do texto-mangue,

obsessão do poeta-sujo,

paixão do frio pescador

e fogo para cada verso.





- O mangue é o gerador,

produz a paisagem mortal:

labirintos de fina raiz,

caminhos diversos, distantes,

cheiros fortes e voadores,

com incompletude em tudo

falsa, enganadora, frágil -

mentira -. Mangue que é fábrica,

que é reino, é o verdor

e a sujidade; na verdade

encontrando-se mangue e pedra,

chocam-se dois mundos e tempos:

A pedra ou imobilidade

da cidade: solução clara.

O verde-negro manguezal:

a dinâmica do mistério.





Aratus, guaiamuns, caranguejos

e siris: a vida do mangue

na verde essência do lameiro,

bichos que se fixam na rede

da lama para o seu pescar

inspirando o pescar - covarde -

de outro bicho da negra lama

que nela se funde e vive:

o homem sempre pescador.

E nas veredas deste reino

repletas de ciladas, mortes

escondidas no elemento

máximo de fertilidade

caminha o pescador-poeta

sem medo procura na lama

a lógica real do poema.



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dialética de uma morte


- A bala que matou José,

antes de estourar-lhe o crânio,

de ser vôo denso, projétil,

fazer-se morte endereçada




manteve seu corpo inerte,

metal no metal do revólver

esperando seu explodir,

seu abrir viagem projetada




- Consistiu de duas viagens,

em viagens-ímãs, opostas,

atraindo-se vida-morte,

num aproximar-se do choque




- Uma viagem fez José

e foi a do sim, afirmar-se:

a do trabalho, de operário,

lado positivo do ímã,




de manter-se, sobreviver-se:

jornada em nada fantástica

por ser diário seu correr

e por ser José só mais um



- Outra viagem fez a bala

no negativo do metal,

busca do nada, do negar-se

o positivo em José



só concretizada na morte,

na negação maior, total,

na finalidade de bala:

levar o fim de José



- Ele despede-se na rua,

Ela explode metal em vôo,

Ele caminha com um sim,

Ela contem em si um não



Ela sai de um tiroteio,

Ela da casa resumida,

Ela deslizando veloz,

Ele tranquilo. Sem atraso



- Ocorre o embate (sim-não):

O sim operário - José -

miolos à mostra já morto

estendido no meio fio,



o não,limpo, reproduzido

em José na poça de sangue,

no cenário vazio, lúcido,

na bala dentro de seu cérebro



- Os dois completos num só corpo,

fundidos no próprio desfecho:

Na negação - afirmação,

fim do homem ou recomeço

No coletivo


O tomar-se, entrar-se ônibus,
abrir-se risco de contato,
é sempre tensão resumida
num medo, calado no íntimo,


De jogar-se no coletivo,
mergulhar-se nos outros, dar-se
ao toque e assim afogar-se,
imergir-se por entre outros;


De mirar-se no coletivo
e mirando-se refletri-se,
encandear-se nos espelhos
que são os outros; De lançar-se


num pele contra-pele, rasgar-se
nos outros, esfolar-se todo;
Deformar-se no coletivo,
gastar-se, fundir-se nos outros

Marco de Pedra


Fronteira, limite, final

entre mar e terra é linha

de pedra: ruína do tempo.

à margem os homens da lama,

do mangue (à margem do marco

como se fosse a própria pedra

de suas vidas em lamaçal

atolada), do natural.

Entre mar e terra é linha

e demarca a própria ruína

na praia (quando da baixa

das águas) mostrando fedor

nos restos do tempo: nas pedras

centenárias, na areia pisada,

nas casas simples: resumidas,

no homem dali, na sua vida

de pedra: ruína do tempo.

Marco de pedra paragem

sombria, localidade triste,

(mergulho na negra maré)

melodia seca dentro, N`água,

o lugar secreto, perdido

por outros homens (não da lama)

da cidade sua: Igarassu,

à margem os homens da lama,

homens da pedra, da diversa

fronteira, no esquecimento

deste lugar finalizados

e no final, limite, fronteira

é linha entre mar e terra

é ruína do tempo: pedra

à margem do marco de pedra.

Canavial


O vento na cana

e o ritmo das flexas

no balanço fino

do canavial.


Maresia verde,

pura. Dançarina

cana enlaçada

ao vento pesado.


no solo fincado

(pé indelicado)

é firme vergar-se

o dançar fechado


da cana ( fusão

de verdes) ficção

de movimentos.

No inexato solo


onde fixa é

a dança e o tempo,

a pedra e a foice,

a casa e o homem,


onde viva foi

a mata ( agora

devastada), o rio

(hoje sufocado),


outro homem(morto)

e mais fixa é

viva cana forte

pois engoliu tudo


no seu espraiar-se

em canavial

mar: corte perfeito,

limpo, veloz. Morte

Imagens do Tabatinga


Correnteza fina:

às margens flutuam

os restos do rio.

E peixes afoitos



-piabas e guarus-

afloram na linha

d`água. Passarelas

de mato cobrindo



a corrida riacho

mentem o murchar-se

do fluxo ardente

em tímido fio



que quase parando

escorrega manso

entre sufocantes

margens. Já cansado



de sua caminhada

longa, encerrando

na clausura (bordas

de seu caminhar



no próprio caminho

que é) este sempre

novo correr lento

de rio indolente.



Do poeta não

conhecer o rio

desde seu cair

nascente - firmeza -



só saber o rio

preguiçoso, parvo

em sua indefesa,

rio assassinado



É o mostrar trágico

do morto-vivaz

em paradoxal

condição: palavra.



Mas já conheceu

o poeta rio

lógico no simples

correr-correnteza



( o mesmo que hoje

suicida cadáver

quase, enlouquece

em lenta jornada)



num ritmo de salto

das linhas - em curso,

correnteza - enxutas:

rio em madureza.



Olhado, porém,

em margem diversa

ou sem margem (só

a enchente do rio



transborda nas beiras

corrida veloz)

trorna-se verdade

n´água seu enterro

Nau-Açu


I



Ao abrir-se ( pois é


Afiado fio, lâmina:


Produto do ofício


Nascido da lógica


em mente artesã),


É tema vibrante


Retido nas linhas,


Urdidura breve


Tecida em firmeza


(Para ser prisão),


Verso matemático


(Para ser porto)


Onde, pois segura,


Descanse a palavra




Ao abrir-se na mente


Fere mais profundo


Pois é afiada


Esta arma branca.


E a penetração,


Talvez com mais dor,


Seja (completude)


O clímax da luta


poeta-leitor,


(ferido de morte


Aquele que lê)


Penetrada a carne


Com o texto lâmina:


Poema mortal


II


Ao fechar-se verso


É reino hermético


Reino criticado.


Mas não vem fantástico


Este verso sujo


E imaturo, rustico.


Vem da clareza,


Do trabalho, busca.


Vem ( grande labor)


Da luta poeta-


Poeta, da luta


Poeta-poema


(quase que indomável)


Que é mais complexa




Ao fechar-se nau


Na mente cradora


É longo caminho,


Estreita vereda


No mar cerebral.


É a folha branca


Aguardando o verso:


Desafio diário.


É a construção


Desenhada, clara


Desta nau poesia


Criada em angústia,


Frieza, cansaço


E ardente ferida


A chave


O segredo do cerebral


Poema se desvenda verso


E número: na estrutura


Firme, medida ( construção


Em estrofes e versos claros)


Neste se parecer com casa


Cheia de quartos, salas, portas.


Neste precisar claramente


De chave para abrir seus cômodos


De poema - complexo prédio.


Tema também em matemática


Condição. O segredo aberto


Da chave ( lúcida leitura):


Lúcida planta da poesia

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Manchetes Nulas



Para Maria Eduarda




Quando estourar primeira página
No teu digitar, jornalista,
Quero que colhas nulidade
Nos excessos da tua cidade


Sejam manchetes desnudas
Aquelas vidas do silêncio
Aquelas nunca reveladas,
Expansivas em anular-se


E que desvendas as camadas
No reluzir-se do real;
Que não temas esse mostrar-se,
Esse despir-se da notícia;


Que teu texto seja a sintaxe
Acima da propícia prosa,
Mas que não percas o teu corte,
Corte de anular-se existências

A máquina de Johannes


Ao lembrar-me do gênio de Bach


Montou peça por peça máquina
Exata, clareza medida
No controle sobre o dizer,
Na tranquilidade do fazer


E no dispor das engrenagens,
Âmago do movimentar-se
De seu produto musical:
Notas em melodia.


Essa qualidade de fábrica,
De sua música fabricada
Não lhe concede ser estéril
Ou lhe torna a máquina nula


Antes por ser trabalho, busca
Na manhã lúcida, solar,
Por resultar em só sua arte,
É sólido som fabricado